Sem ousadia, "Dalva e Herivelto" privilegia caso de amor e minimiza trajetória dos artistas
MAURICIO STYCER
Crítico do UOL
Adaptar uma história real para o cinema ou para a televisão implica, necessariamente, em simplificar os fatos, alterá-los e reinterpretá-los. Ao longo desse processo, sempre haverá quem diga que a história recriada é pior que a "verdadeira", que reclame dos detalhes que ficaram de fora ou lamente as opções realçadas.
Assim como traduzir, adaptar é trair. Não tem jeito. A prioridade de Maria Adelaide Amaral e Denis Carvalho, respectivamente, autora e diretor da minissérie "Dalva e Herivelto", que estreou nesta segunda-feira, na Globo, é contar, da forma mais literal possível, a conturbada história de amor que a cantora e o compositor viveram ao longo das décadas de 30 e 40.
Há um apelo extraordinário nesta história - e é daí que a minissérie extrai o seu sumo. Dalva de Oliveira (1917-1972) e Herivelto Martins (1912-1992) transformaram o drama pessoal que enfrentaram em novela pública. Hoje, diríamos, num reality show. O amor, primeiro, e depois a violência doméstica e as traições que marcaram a vida do casal foram cantados em verso e prosa, além de terem preenchido as páginas dos principais jornais e revistas do país.
Matéria-prima praticamente pronta para ir às telas, é essa a história que a tevê começou a exibir, com competência, mas sem ousadia, mostrando a vida duríssima de ambos ao darem os primeiros passos artísticos, o sucesso inicial, logo seguido da naturalidade com que Dalva joga um avental sobre o vestido e vai para a cozinha depois de um show e a vocação de Herivelto para o adultério.
Ao fazer essa opção, Maria Adelaide deixa em segundo plano, o que é motivo de lástima, a trajetória artística de ambos. Ainda que Dalva apareça cantando e Herivelto compondo, o primeiro capítulo da minissérie não teve interesse algum em descrever como a cantora lapidou o seu talento e qual foi o mundo que o compositor incorporou e deglutiu em seu processo de criação.
Tecnicamente perfeita, no seu esforço de literalidade, "Dalva e Herivelto" conta também com um elenco de qualidade, Adriana Esteves à frente, mas especialmente Fabio Assunção, em sua bem-vinda volta à tevê depois de um escândalo pessoal narrado, como o caso de Dalva e Herivelto, em verso e prosa pela mídia de celebridades.
Programa bem feito, agradável de assistir, mas incapaz de surpreender - essa foi a impressão que causou a estreia e parece ser o que nos reserva os próximos quatro capítulos da minissérie. Tem tudo, portanto, para ser um sucesso de audiência.
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